sábado, agosto 29, 2009

Fonte

Palavras são poucas,
são pequenas,
não comportam tudo
o que tem dentro da gente.

Por isso minha voz se cala,
embora reclamem que eu fale,
embora reclamem se não falo.
Mas apesar da água humilde, escrevo.
E quando escrevo
uso esta fonte mesmo:
Times.
Porque Hipocrene é dos poetas,
não me meto a beber por lá.
E mesmo para os poetas,
perdoem o atrevimento,
creio finita a abundância.

Morreremos de sede, ainda,
porque, eu sei, a fonte um dia seca.
Bebamos desse raso, pois.
Times.
Porque sei que um dia isso tudo acaba,
esse tudo pouco.
Essa escassez de símbolos.


segunda-feira, agosto 24, 2009

Menina

A infância adormeceu no colo da mulher,
nos braços da menina que se deitou
no topo do morro de terra vermelha
ao lado de sua boneca preferida de roupinha rasgada.
O coraçãozinho cresceu, agora cabe tanta coisa
onde só cabia pureza, onde o palpitar acelerado
significava cansaço de brincar de pega-pega.
Agora cabe tanta coisa, tanta coisa que não é brincadeira.
Os olhinhos que brilhavam curiosos e choravam quando o corpo
doía de cair de bicicleta, brilham pouco menos e choram mais,
mas de outras dores.
O frio da maturidade chegou tão de repente pedindo uma sopa.
Há pedacinhos de infância escondidos na sopa, ela descobre.
E de vez em quando, cuidando de não estragar o batom,
ainda tira da língua algum fiapo das pelúcias dos ursinhos.
E de vez em quando, sozinha e descalça,
percebe-se fazendo trancinhas no cabelo da boneca.

quinta-feira, agosto 20, 2009

Presente

Fui ter com o futuro debaixo de uma lona.
Enquanto uma boca vermelha e uns dentes
dourados proferiam previsões que eu não ouvia,
sentia um cheiro de chocolate,
um cacau de ar, despertador desta saudade.
Saí derrubando cadeira numa pressa.
Caloteei o que não viria.
Um caminho muito conhecido passa
por mim rapidinho de trás para frente.
Continuo correndo, o peito chiando vontades,
tentando alcançar meu hoje, embora eu saiba
que já fizeste as malas.

domingo, agosto 16, 2009

bravo medo

Disparate de miedo - Francisco de Goya

Eu me rio de quem reza
desses que não agem
porque têm, da morte, esse pavor

Ora, deixem de bobagem,
ora, façam-me o favor!
Não sabem que é temer!

Medo que se preza
não é o da passagem
que não tem muito valor

Medo de coragem
é o tal medo do amor
é este medo de viver


quarta-feira, agosto 12, 2009

A gripe A

Dá tanto murro
no peito o nariz apontado
pro alto o homem cheio
de orgulho de si
de ser superior

Nesta hora anda pequeno
olhando pro chão da sala
de estar sozinho esmurra a ponta
da faca cobre o nariz
com paninho pra não tropeçar
no invisível temendo cair
derrubado por um vírus.