quinta-feira, maio 28, 2009

Altruegoísmo

Se te agradar, não me agradeças,
pois que me agrado mais do que a ti
quando sinto que te deixo
bem. Tudo o que faço por ti é,
antes, por mim.
A mão, dou-te espontânea
para colher força e suor da tua.
O bombom que te ofereço adoça-me
os segundos de vida em que o degustas.
Se te empresto meu único casaco, é porque
protejo-me de um frio quando o vestes.
Minhas palavras boas, que gostas
de ouvir, saem-me da boca apenas porque
sabem, a mim, arrancar-te um sorriso.
É o meu descanso que me trazes
quando é tarde e vejo teus olhos
úmidos dormidos sob afagos
no meu colo.
Vê: é o meu prazer que vem
primeiro. Não te iludas, pois.
Não!, não me agradeças.
Gratidão, sou eu, meu bem,
a ti, quem deve.

terça-feira, maio 19, 2009

Quando

Quando a cigana chamar
Vou pagar pro futuro ela ler

Quando o capoeira jogar
Vou gingar pro meu corpo benzer

Quando o cura chegar
Vou dobrar pra minha alma valer

Quando mãe santa entoar
Vou ofertar pra Oxalá proteger

Quando aprender a rezar
Vou rogar para deus responder

Ah! mas quando o tempo chamar...
Oh! quando minha hora chegar...
Quem será vai me ler?
Quem por mim vai rezar?
Oxalá alguém me venha benzer!
Que o futuro vai parar de jogar
As respostas não vão me curar
Nem a mãe vai me proteger
A alma não vai mais gingar
O corpo não vai mais valer

sexta-feira, maio 15, 2009

Para quem é inútil a poesia
deve ser igualmente inútil a vida.
Porque, qual sentido de uma
senão com a outra?
Por que despertar-se ao amanhecer
se os braços de sol não abraçam?
Se não for por campos salpicados de flores
não tem por que segurar a enxada
na lida diária.
Sem amar as estrelas
tanto as grandes quanto
as menos brilhantes
e beijá-las todas na tez
da noite ou durante o dia
não há graça em ver o céu
não há razão de tê-lo sobre.

Assim deve ser a vida
assim como é a poesia.

Pisar a terra, sentar na relva
ser ouvidos atentos
aos dizeres de alma
dos pássaros
das plantas e das pedras.
Viver direito
adequadamente ao que
para o que viver foi feito
é mergulhar profundo
saudando tubarões e anêmonas
e cavalos e ostras e tudo
o mais que houver no mar.

Quem maldiz a poesia
qual tensa mosca pálida
se mantém na superfície.

domingo, maio 10, 2009

de ser

Dói tanto pensar
que queria ser doente da mente
ou ter nascido bicho de comer capim

Dói tanto amar
que queria ter pedra no peito
ou, pelo menos, ter plenitude em mim

Dói tanto o pensamento amoroso
Dói tanto o amor pensativo
que sentir já não tem sentido
que já não tem razão a razão

Dói tanto tanto esta dor de ser
que até seria bom dissolver
que até me faz um pouco feliz
saber que esta vida tem fim