domingo, julho 31, 2005

"...I'll find my rainbows end...
...then I'll know where the rivers flow"

River Song - D. Coverdale

terça-feira, julho 26, 2005

A princesinha

Ah, a princesinha do semáforo... Aquela dos cabelos pretos longos. Tomaram a lousa dela! Era, provavelmente, um desses anúncios de apartamento de alto padrão do qual ela usava as costas para desenhar seus sonhos.
Sexta passada parei no sinal vermelho e, por sorte, bem perto dela. Acompanhei sua mãozinha morena delineando o vestido que cobria um corpo sem rosto... De vez em quando ela olhava para trás, como se sentisse que estava sendo observada... Eu, é claro, não deixava que tivesse certeza. Desenhou os longos cabelos, como deveriam ser. E por último, coroou docemente sua princesa!
Hoje a lousa não estava mais lá. Mas a menina parecia continuar sonhando. Acho que nem mesmo as balas que ela costuma vender espantam sua meninice.
Se eu pudesse, lhe compraria uma coroa!

sábado, julho 23, 2005

Amor de filha (de mãe)

Vem, mãe, me aqueça sob suas asas perversas
E me deixe arrancar suas penas.
Ofereça-me seu seio para saciar minha sede
Com este leite ralo e podre.
Acaricie meus cabelos, mamãe,
Com estas mãos calejadas e opressoras.
Beije-me com seus lábios impuros e hipócritas,
Salive minha testa com este ácido altamente corrosivo.
Faça-me cócegas com seus cabelos embaraçados e insanos
E com eles envolva meu pescoço até me sufocar.
Abrace-me carinhosa e fortemente e quebre minhas costelas.

Vem, mãe, filha da mãe da sua filha!
Ensine-me o alfabeto, confunda-me com seus trocadilhos.
Enxugue meus suores e meus prazeres.
Abra as portas para mim, pois não alcanço a maçaneta;
Depois coloque as armadilhas.
Dê-me o carro dos sonhos e freie meus desejos.
Corte minhas unhas, arranhe meus sentimentos.
Lave meus ouvidos para que eu escute com clareza
Suas lindas palavras de afeto e todos os palavrões e obscenidades.
Peça que eu viva feliz e mate-me com a vida que me dá.

Venha, minha querida mamãe,
Sinta no seu traseiro toda minha força
Representada aqui pelos meus pés.

Amo você, mamãe!


(07/09/2001)

Arte

Traço um traço. Faço um risco.
Risco um muro. O muro eu picho. Tinta e cera.
Dois riscos, uma via. Ando e ando e faço uma placa: Rua sem saída.
Abro um túnel, um ponto de luz. Desenho a tomada. Puxo o cabo.
Esboço a lanterna. Tiro as pilhas.
Faço um rio e uma ponte. Corto com um serrote.
Desenho um carro voador. Sobrevôo o longo do rio. Quebro as asas.
Faço a bóia. Furo-a. Seco a água.
Desenho a ampulheta. Toda a areia escoa.
Um deserto. Um camelo que empaca.
Sigo o sol. Faço a noite.
Um ano no oceano. Capitão, perco o leme.
Pego um remo e a bússola. Construo a pedra que leva o remo.
Entorto a agulha. Mal-me-quer, bem-me-quer.
Bem-me-quer, mal-me-quer com a Rosa-dos-Ventos.
No mesmo jardim planto uma árvore. Desenho notas musicais.
No ninho canta um passarinho. Faço um revólver. Assassino a caixa acústica.
Com a borracha quebro o muro.

E esta folha, se não rasgo, vem a traça e traça.

(28/07/2001)